Comentário

O caos florestal<br>e a incúria política

Miguel Viegas

A actualidade dos incêndios que nos entra casa adentro através da comunicação social remete-nos inevitavelmente para a incúria política dos partidos que desgovernaram o País ao longo das últimas décadas. Com efeito, o sector florestal representa o exemplo acabado dessa irresponsabilidade, da falta de visão estratégica mas também da submissão aos grandes interesses privados que gravitam à volta da floresta portuguesa.

Tal como o PCP tem denunciado, não é por falta de planos que o problema da floresta e dos incêndios permanece hoje por resolver. O campo de literatura é vastíssimo. Temos assim o primeiro plano de desenvolvimento sustentável do sector florestal de 1998, substituído mais tarde em 2006 pela estratégia nacional para a floresta, revista em 2015. Esta estratégia articula-se a montante com a estratégia florestal da União Europeia e a jusante com os planos regionais de ordenamento florestal, os planos de gestão florestal, o programa nacional de defesa da floresta contra os incêndios e o plano de acção nacional de combate à desertificação. Ou seja, teoria não falta, o que falta é acção.

Mas a situação ainda é mais grave na medida em que os governos não se limitaram à inércia. Foram aprovando medidas que contrariam estes planos e agravaram ainda mais a situação. O caso do fim da Secretaria de Estado das Florestas aquando do último governo PSD-CDS (felizmente reposta no actual governo) ilustra bem o que foi a completa desvalorização deste sector. Mas a lista de actos que permanecem impunes é longa, incluindo o fim em 2006 do corpo de guardas florestais ou ainda a restrição deliberada de meios para a prevenção, impedindo por exemplo a criação das equipas de sapadores, cujo número permanece infinitamente aquém das necessidades e até do anunciado pelo Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (conforme denúncia do PCP, apenas existem hoje 283 equipas de sapadores face às 500 prometidas). O tristemente célebre decreto-Lei 96/2013 que veio liberalizar por completo a plantação de eucalipto ou a externalização do meios de combate aéreos constituem outra vertente representativa das cedências aos interesses privados que gravitam à volta da floresta.

O PCP, ao contrário de outros partidos, não acorda para a problemática da floresta apenas no Verão, quando toda a actualidade mediática está concentrada no drama dos incêndios. Particularmente, os deputados do PCP no Parlamento Europeu têm-se desdobrado em visitas por todo o País, reunindo com os diversos agentes ligados ao sector da floresta, corporações de bombeiros, associações florestais e representantes da indústria do mobiliário. Em Março de 2015, no quadro da discussão à volta da estratégia florestal da União Europeia, o PCP promoveu uma audição em Viseu, iniciativa que foi precedida por inúmeras visitas e reuniões em vários distritos. Nesta audição, não nos limitámos aos habituais chavões sobre a floresta sustentável. Analisámos a situação específica da nossa floresta, cada vez mais dominada pela monocultura de eucalipto, e onde predomina uma estrutura fundiária privada e altamente fragmentada cujo cadastro permanece ainda por fazer. A floresta sustentável que todos desejamos e que Portugal necessita nunca poderá ser o produto do funcionamento livre e espontâneo do mercado, ao contrário do que os governos e a União Europeia nos querem fazer acreditar. A floresta sustentável só resultará de políticas públicas que sejam capazes de fomentar práticas de gestão colectiva da nossa floresta, apoiando o movimento associativo, as cooperativas e o movimento dos baldios, que têm realizado um trabalho exemplar nesta matéria.

Um último exemplo a incúria: Em 2013 decorreram três grandes incêndios afectando os distritos de Viseu e Aveiro, com uma área ardida conjunta de 9415,5 ha. Cerca de um ano depois, realizámos uma visita ao local, onde todo o trabalho de recuperação ainda estava por fazer, designadamente ao nível das três medidas básicas que se impõem nestas situações: recuperar os caminhos, limpar as linhas de água e consolidar ou estabilizar os solos evitando a erosão. Na sequência desta visita, questionámos a Comissão Europeia com diversas propostas no sentido dos apoios comunitários poderem ser desbloqueados de forma mais precoce apoiando assim respostas que devem ser aplicadas nas semanas subsequentes aos incêndios. Propusemos igualmente um novo modelo de financiamento mais consentâneo com o ciclo produtivo florestal que inclui a preparação do terreno, plantio e manutenção, e que se prolonga muito para além dos prazos de financiamento. Estas e outras propostas do PCP têm sido completamente silenciadas pela comunicação social, mais interessada em explorar os efeitos melodramáticos dos incêndios do que em promover um debate sério sobre a floresta. Mas a luta do PCP pelo ordenamento florestal continua e a qualidade do seu trabalho e intervenção um dia será reconhecida.




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